Netflix vai falir? Entenda a crise da gigante do streaming

A pergunta que mais foi feita na indústria nos últimos dias é: a Netflix vai falir? Nós te explicamos os motivos e o que pode acontecer.

Netflix vai falir

A notícia de que a Netflix perdeu 200 mil assinantes no último trimestre caiu como uma bomba na indústria. O fato de que a perspectiva é igualmente ruim, com mais 200 mil podendo abandonar o serviço no próximo trimestre, piora a situação. O fato é que, de certa forma, a Netflix foi a grande precursora dos streamings. A plataforma virou o jogo e, depois de sua estreia, o Cinema e a TV nunca mais foram os meses. Andando em terreno inexplorado, a empresa aprendia conforme andava, ou seja: conclusões e ações eram tomadas com os erros e acertos que ocorriam diariamente, minuto a minuto. Agora, o questionamento é: a Netflix vai falir?

É a primeira vez em uma década que o streaming registra uma queda considerável de assinantes. Até o final deste ano, é possível que a plataforma perca mais de 2 milhões de assinantes. O ponto a ser considerado aqui, entretanto, é simples: o que está acontecendo agora podia ser previsto. Não é surpresa que a Netflix tenha perdido tantos assinantes e o acontecimento é, na verdade, algo natural se analisarmos o comportamento da empresa e dos consumidores nos últimos anos.

Netflix vai cobrar de quem compartilha senha
Imagem: Divulgação.

Bom demais para ser verdade – ou durar muito tempo

Pra começo de conversa, a Netflix dominava o mercado e parecia invicta por um motivo claro: não havia concorrência. A popularidade da plataforma e a falta de disputa levou a uma produção desenfreada de novos filmes e séries, além de compras e coproduções em projetos feitos de modo independente. Em suma, a Netflix pôde experimentar. E eles estavam certos. Por muitos anos, inúmeros produtores, diretores, roteiristas e demais membros da indústria afirmaram que a Netflix era uma paraíso. Isso porque projetos corajosos eram aprovados, a criatividade era respeitada e a liberdade estava nas mãos do artista.

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Com isso, a Netflix deixou de ser apenas um catálogo com produtos de outros “vendedores” e passou a produzir. Querendo criar uma marca e garantir sua independência, a plataforma começou a criar materiais para chamar de seus. E a abordagem funcionou por um tempo. Hoje, a Netflix tem um vasto catálogo, com inúmeros produtos originais. Como todo produto, novidade ou empresa, a Netflix tinha um teto de crescimento. É impossível, afinal, crescer indefinidamente. Assim, a empresa chegou em um ponto esperado: não há para onde crescer. Ou se mantém como está ou cai.

E ela tem caído. Os motivos são inúmeros. Para começar, a concorrência acordou. Antes mesmo de abrirem suas próprias plataformas de streaming, as empresas começaram a tirar títulos das mãos da Netflix. Assim, o catálogo começou a levar duros golpes antes mesmo da concorrência estar no mercado. Eram constantes as notícias de que determinadas séries e franquias sairiam da lista de produtos. Primeiro foram todos os títulos da Disney (e só aí vocês as animações, Pixar, Marvel, Star Wars – e todos estavam na Netflix), depois os da Warner (DC, Harry Potter, O Senhor dos Anéis, Matrix, etc.) e assim por diante.

A série que mais bombou no Tinder Grey's Anatomy
Imagem: Divulgação.

Uma sangria sem fim: catálogo sofre duros golpes. A Netflix vai falir sem títulos?

O tombo começa aí, portanto. O assinante médio não está interessado e não se importa com produtos originais e lançamentos futuros. Ele quer saber de seus títulos de conforto. Ele quer poder chegar em casa e assistir Friends, maratonar Harry Potter pela enésima vez ou curtir as clássicas animações com filhos, irmãos e sobrinhos. Com os títulos se vão os assinantes. Afinal, você para de frequentar o restaurante que deixa de servir seu prato favorito.

Não demorou para que as empresas concorrentes montassem seus próprios streamings. A Disney criou os seus (Disney Plus e Star+), a Warner arrumou a casa e lançou o HBO Max e todo canal norte-americano abriu seu próprio catálogo virtual: Showtime, Starz, AMC. Além disso, estúdios também entraram na dança, como a Paramount. Para piorar a situação, até empresas voltadas a outros produtos resolveram invadir a festa das produções audiovisuais. A Apple está aí para provar.

Stranger Things

Produção original pode ser grande responsável por crise

Com a perda enorme de títulos, ficou claro que a Netflix não tinha um catálogo realmente poderoso. E aqui entramos em campo delicado e subjetivo. A Netflix produziu volume, mas não muita qualidade. Embora tenha buscada a criação de uma marca, não criou um selo. Para facilitar, pensemos o seguinte: há quase trinta anos a HBO tem sido sinônimo de qualidade. Qualquer uma que goste de séries sabe que a HBO só produz coisas boas. Apesar de ter títulos variados, há um padrão em tudo o que o canal produz. Você bate o olho em uma série e sabe: isso é HBO.

Já a Netflix atirou para todos os lados. Foi – e é – uma decisão deliberada. A plataforma quis testar e jogou com todas as armas que tinha em mãos. Isso conquistou muita gente e nichos distintos, mas não criou um lastro firme e homogêneo. Hoje eles têm Stranger Things, Mindhunter, The Crown, House of Cards, documentários, animes e variedades. Muitos são bons, mas nenhum parece vir da mesma fonte. A coroa não parece pertencer à mesma casa dos bagulhos sinistros.

Agora, com o problema arrombando a porta, a Netflix precisa se concentrar não em ganhar mais assinantes, mas em produzir aquilo que realmente precisa e vale a pena. Eles precisam fazer o que a HBO faz há décadas e a Apple começou a fazer desde o primeiro dia: curadoria. É preciso acabar com a farra da aprovação, onde tudo e qualquer coisa recebe dinheiro e luz verde para acontecer. Uma coisa é fato: será muito mais difícil produzir coisas na Netflix daqui para frente. Na mídia já se especula: várias animações e projetos já estão sendo cancelados ou suspensos, visando a retenção de gastos e o reposicionamento da marca. A Netflix vai falir? Não, mas vários de seus projetos vão.

Curadoria: é preciso finalmente criar o selo Netflix

Para entendermos melhor, analisemos a Apple TV. Quando surgiu, seu catálogo era tímido. Quatro ou cinco séries, algumas variedades e muitas promessas. A lista de títulos originais cresce devagar, mas hoje a empresa já tem um catálogo invejável. Seus produtos são aprovados e lançados com critério e um selo próprio já está se consolidando na indústria e no imaginário coletivo. Hoje, a Apple já ganhou um Oscar (por CODA) e é favorita ao Emmy com uma comédia (Ted Lasso) e um drama (Ruptura).

A Netflix, em carta, disse que a queda de assinantes é normal. Como a receita foi muito grande em 2020, era esperado que 2021 não repetisse os feitos. Eles também acreditam que as contas compartilhadas também prejudicam o crescimento, pois uma só família usa apenas uma conta. E assim chegam as ideias estapafúrdias: cobrar por contas que sejam utilizadas em locais diferentes, colocar anúncios nos filmes e séries e aumentar o valor.

O preço cada vez maior, aliás, é fator decisivo no cancelamento de muita gente. A Netflix hoje é um dos streamings mais caros e oferece alguns reveses. Não são todos os planos que oferecem vídeos em HD, por exemplo, tampouco exibição simultânea. Isso pesa no bolso e na decisão, principalmente se constatarmos que a HBO Max, por exemplo, oferece até vídeos em 4K, sem custos adicionais.

A pergunta, então, não é se a Netflix vai falir, pois não vai. A grande questão é: a Netflix vai mudar?

Sobre o autor

Matheus Pereira

Coordenação editorial

Matheus Pereira é Jornalista e mora em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Depois de quase seguir carreira na Arquitetura, enveredou para o campo da Comunicação, pelo qual sempre nutriu grande paixão. Escritor assíduo na época dos blogs, Matheus desenvolveu seus textos e conhecimentos em Cinema e TV numa experiência que já soma quase 15 anos. Destes, quase dez são dedicados ao Mix de Séries. No Mix, onde é redator desde 2014, já escreveu inúmeras resenhas, notícias, criou e desenvolveu colunas e aperfeiçoou seus conhecimentos televisivos. Sempre versando pelo senso crítico e pela riqueza da informação, já cobriu eventos, acompanha premiações, as notícias mais quentes e joga luz em nomes e produções que muitas vezes estão fora dos grandes holofotes. Além disso, trabalha há mais de dez anos no campo da comunicação e marketing educacional, sendo assessor de imprensa e publicidade em grandes escolas e instituições de ensino. Assim, se divide entre dois pilares que representam a sua carreira: de um lado, a educação; de outro, as séries de TV e o Cinema.